Amigos visitantes,

É com um imenso prazer que abro este espaço, com o intuito de centralizar reflexões e pesquisas referentes à música antiga. Há tão pouco tempo - uns 4 anos -, o estudo da música medieval, renascentista e principalmente a barroca, vem me despertando a admiração, curiosidade e paixão pela história e pensamento que deram origem as criações artísticas dos compositores que norteiam os períodos em questão. Devido a esse meu enorme fascínio sobre a música antiga, fui motivado à compartilhar minhas idéias e pesquisas informações com meus amigos e com os internautas amantes da música. Será um ganho abrir este espaço! Sejam todos muito bem vindos! Leiam, desfrutem, aprendam, compartilhem, sem moderação!

quinta-feira, 29 de abril de 2010

O sofrimento de São Pedro na música ímpar de Orlando di Lassus

Amigos internautas, atualmente estou estudando uma obra musical ímpar, da qual não poderia deixar de falar aqui. Com relação à música antiga, principalmente a renascentista e barroca, eu já havia explicitado antes minha paixão. No entanto, após ter conhecimento de uma obra do compositor Orlando di Lasso, chamada "Lagrime di San Pietro", a qual estudo atualmente, venho explicitar o aumento do meu amor pela música deste período histórico.

O compositor e brilhante cantor Orlando di Lasso, nascido em Flandres no ano de 1532, foi uma espécie de prodígio musical, já tendo, aos 24 anos, publicado livros de madrigais, chansons e motetes, além do fato de que sua produção total veio a ultrapassar 2000 obras. Nos últimos anos de sua vida, Lasso demonstrou-se estar sobre influência do espírito da Contra-Reforma, dedicando-se com exclusividade a compor sobre textos religiosos. O compositor faleceu no ano de 1594.

Lasso foi um dos compositores mais prolíficos e versáteis do século XVI: compôs para todas as formas - para o sagrado e para o secular (missas, motetos, madrigais, frottolas, vilancete, chansons e lieder). Nas palavras de Grout & Palisca (História da Música Ocidental, 2005, p.296), “o contraponto franco-flamengo, a harmonia italiana, a opulência veneziana, a vivacidade francesa, a gravidade alemã, tudo isto encontramos na sua obra, que, mais plenamente do que a de qualquer outro compositor do século XVI,resume as realizações de uma época.”

Embora ligado a um tribunal na Alemanha, ele viajou com freqüência por toda a Europa, estabelecendo textos em cinco idiomas em suas criações. Seu prestígio internacional se reflete na grafia do seu nome nas publicações de suas obras: Orlando Lasso, Orlande de Lassus, Orlando di Lasso, Roland de Lassus. Lasso também é um dos poucos compositores do Renascimento que deixou qualquer corpo significativo da correspondência. Um grupo de cartas ao duque Wilhelm, muitas vezes escritos em vários idiomas ao mesmo tempo, revela uma pessoa com um senso de humor e um relacionamento morno com seu patrono.


Lagrime di San Pietro foi a última grande produção de Lasso, escrita em 1594 e publicada postumamente em Munique em 1595. O compositor a finalizou apenas seis semanas antes de morrer, dedicando a obra ao Papa Clement VIII. O trabalho consiste em vinte madrigais espirituais (Madrigali spirituali) e uma conclusão, que expõem, em texto e música, o remorso de São Pedro por ter negado a Jesus. Em outras palavras, representa os estágios do sofrimento experimentados por São Pedro devido à negação a Cristo. Penitencial e em tom pessimista, toda a obra, composta sobre 21 poemas do italiano Luigi Tansillo (1510-1568), apresenta-se como um emblema da gravidade religiosa da Contra-Reforma e, possivelmente, um reflexo da realização do compositor de sua própria morte iminente.
Todos os madrigais são composto para sete vozes - uma combinação bastante incomum para o período, mas que permitiu ao compositor variar a textura musical desta longa obra para se adaptar ao significado do texto. Além disso, a estrutura da obra atribui ao simbolismo numérico um papel fundamental: as sete vozes representam as sete dores da Virgem Maria. E, além disso, muitos dos madrigais estão em sete seções. O número total de peças no conjunto, 21, representa sete vezes o número de membros do Trindade. Lasso, na seleção de versos de Tansillo, cria uma pequena dramatização que faz muitas vezes aflorar um clímax emocional intenso. Os vinte madrigali spirituali apresentam diferentes estágios de remorso implacável de São Pedro e de sua auto-recriminação, até mesmo como um homem velho.
Como forma musical, o spirituale madrigale floresceu durante a Contra-Reforma e é um cruzamento entre o moteto latino puramente litúrgico e o madrigal secular. Escrito em italiano, sobre temas contemplativos e religiosos, os madrigali spirituali foram compostos livremente - ou seja, não baseados num cantochão pré-existente. Seu estilo musical foi, muitas vezes, mais contido e menos florido do que suas contrapartes seculares.
Lasso atinge unidade musical neste longo trabalho, criando um arco tonal, ou sistema de unificação das relações tonais entre os 21 madrigais separados. A música representa a grandiosidade do intrincado estilo contrapontístico de Lasso. Como em muitas das obras do compositor, e as obras chamadas "maneiristas" dos compositores italianos, alguns elementos melódicos e contrapontísticos foram codificados para representar os dispositivos usados na retórica e oratória. Durante o Renascimento, o sistema de relacionar padrões musicais ao significado afetivo do texto, conhecido como reservata musica, foi, ainda, no momento, um processo altamente refinado, decifrável apenas pelos músicos mais eruditos e conhecedores. Este foi um período em que os compositores eram cada vez mais preocupados com questões relacionadas com a combinação de música e poesia.
No intenso retrato dramático e psicológico de São Pedro, o Lagrime reflete um cuidado especial de Lasso em transmitir o significado e emoção de cada linha de texto através da música, por vias retóricas. Além disso, a definição do texto é geralmente silábico com cada frase repetida várias vezes. Claramente, Lasso dá a compreensão das palavras uma importância única. Para alguns de seus contemporâneos mais jovens, sobretudo o compositor cremonense Claudio Monteverdi, Lasso é o casamento idealizado de música e poesia, aspecto estético que daria frutos em uma direção totalmente diferente: no desenvolvimento da monodia (recitativo sobre um simples basso continuo) e nascimento da ópera.

Abaixo alguns links para vocês conhecerem essa maravilhosa obra:

http://www.youtube.com/watch?v=8URQ0ZElT0Q
http://www.youtube.com/watch?v=TQV9E4e5dWo
http://www.youtube.com/watch?v=vrzXpW2bG-Q
http://www.youtube.com/watch?v=j5fa6GK98fg
http://www.youtube.com/watch?v=nY4rYiYPitA
http://www.youtube.com/watch?v=I7TDxQTi-Pc
http://www.youtube.com/watch?v=wAtWd_He4kI

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

A Camerata Florentina e a evidência de uma nova proposta estético-musical

ITÁLIA, RENASCIMENTO – Século XVI.
Movidas pela corrente humanista que ampliava sua influência pelo continente, organizados grupos de intelectuais foram formados por toda a Itália durante o século XVI ao XVIII. Esses mesmo grupos eram organizados com o intuito de estudar e discutir literatura, ciência e arte. As reuniões aconteciam geralmente nas casas dos mecenas, protetores das artes e letras. Dentre esses diversos grupos, entrou para a História o que viria a se chamar “Camerata”: um grupo de artistas e filósofos que se reuniam em torno do mecenas e conde Giovanni de Bardi, desde a década de 1570, na cidade de Florença. Motivados pelos aprofundados estudos da cultura grega da Antiguidade, os integrantes da Camerata tomaram a mesma cultura e pensamento como insuperáveis, e como referência para questionar as várias questões remetidas ao pensamento e comportamento da sociedade em que viviam. Pelo Vocabulario (1543) de Alberto Accarigo, o termo “camerata” não se encontra registrado. Na verdade, foi o compositor Giulio Caccini, também protegido de Bardi, quem se utilizou do termo para nomear essas reuniões. No prefácio do seu primeiro trabalho (o “Le Nuove Musiche”, no qual será abordado posteriormente), fundamentado nos estudos feitos pelos seus companheiros florentinos, Caccini fala sobre a camerata em que ele era integrante e frequentador assíduo:

Em verdade, nos tempos que florescia em Florença a virtuosíssima Camerata do ilustríssimo Senhor Giovanni Bardi, Conde de Vernio, onde afluía não somente grande parte da nobreza, mas ainda músicos de primeira ordem e engenhosos homens, poetas e filósofos da cidade, tendo-a eu mesmo freqüentado, posso dizer ter aprendido mais com aqueles doutos intelectuais, que em mais de trinta anos de contraponto.
(CACCINI, “Le Nuove Musiche”, 1602).

Durante quinze a vinte anos, Bardi recebeu artistas em seu palácio, porém, esses encontros não possuíam caráter “acadêmico”, como explica Lauro Machado Coelho (“A ópera barroca italiana”, 2000, p.41): “não havia lista de inscritos, pagamento de mensalidade, nem direitos especiais de acesso”. De acordo com Heloísa Muller (em sua tese de mestrado com o título “Le Nuove Musiche – o estilo e canto de Giulio Caccini”, 2006, p.18), “embora com um pouco de atraso em relação às outras artes é neste período que a música realiza a sua guinada fundamental em direção à arte humanista”. Diversos assuntos eram discutidos e relacionados entre si, como os filosóficos, científicos e artísticos. Porém, o assunto “música” era o mais discutido neste círculo, devido até mesmo ao fato de o mecenas Bardi ser músico amador. A questão mais discutida pelos artistas que ali se reuniam foi sobre os fatores que causariam a impossibilidade da música daquela época de suscitar e dominar as emoções humanas, como acontecia na música dos antigos gregos.

Dentre os integrantes da Camerata, estavam Vincenzo Galilei (pai do astrônomo Galileu Galilei, sendo também músico) e Giulio Caccini. Porém, havia outro grupo, protegido pelo mecenas Jacopo Corsi, que estava sempre em contato com a Camerata de Bardi. Deste último grupo eram componentes, a saber, os poetas Chiabrera e Ottavio Rinuccini, e o compositor Jacopo Peri. Ambos os grupos possuíam ideologias semelhantes e muitos interesses em comum, apesar de que os mecenas Bardi e Corsi eram rivais. Entretanto, no ano de 1592, Bardi deixa a responsabilidade da Camerata à Jacopo Corsi, em função de atender a um cargo adquirido como secretário do papa Clemente VIII.

Vincenzo Galilei, que havia estudado por algum tempo com o famoso teórico-musical Gioseffe Zarlino, já havia sido despertado pelo último ao interesse pela música da Antiguidade. O grande interesse de Galilei pela arte grega levou-o a, frequentemente, corresponder-se com seu amigo Girolamo Mei, um erudito florentino que trabalhava na época como secretário de um cardeal em Roma. Tal cargo possibilitou, ao último, acesso a obras da Antiguidade que o permitiram estudar minuciosamente a música grega, entre os anos de 1562 e 1573. Através de Galilei, a Camerata teve conhecimento dessas importantíssimas informações. Numa carta de 1572, Mei alerta Galilei para o fato de que os gregos não conheciam a arte do contraponto, e que tal técnica era responsável pela música não mover os afetos do ouvinte, já que representava um meio de desvalorizar o texto poético, levando à sua inteligibilidade:

Tive a convicção de que todo o coro cantasse uma mesma ária [melodia], ao notar que a música dos antigos era tomada como valoroso meio de comover os afetos, o que se encontra em muitas observações narradas pelos escritores. Como também, atentar que a música coeva é, como vulgarmente se diz, apta, antes, a algo completamente distinto. Ora, [essa distinção entre a música dos antigos e a coeva] nasce necessariamente por força das suas opostas qualidades contrárias, que cada uma costuma trazer naturalmente consigo. As qualidades da antiga são ordenadas e aptas a fazer aquilo que operavam [- mover os afetos]; as da moderna, contrariamente, impedem-lhe este fim.
[...] se a música dos antigos cantasse simultânea e misturadamente várias árias na mesma canção, como fazem nossos músicos com o baixo, tenor, contralto e soprano – ou mesmo com mais ou menos vozes dispostas a um só tempo, sem dúvida teria sido impossível que tivesse podido, gualhardamente, mover os afetos desejados no ouvinte, como se vê que a isto chegasse pelos inúmeros relatos e testemunhos de grandes e nobres escritores. (MEI apud Ibaney Chasin, “O Canto dos Afetos”, 2004, p.12-13).

Ainda segundo a carta de Mei, o mesmo apresenta uma constatação, pelos estudos dos documentos antigos, de que os textos das tragédias gregas não eram falados pelos seus personagens, como se pensava, porém cantados, de forma declamatória. Essa realidade levou Galilei a aderir à monodia como única forma de fazer valer a compreensão do texto em música. Os grandes oradores da época, que apresentavam ao seu público seus discursos persuasivos, poderiam ser tomados como prova do poder associado às palavras, enquanto inteligíveis e estudadas.

As correspondências de Mei ampliaram a aversão de Galilei pelo modo de como a polifonia tratava o texto poético. O filósofo Platão já defendia, em sua obra “A República”, a idéia de que o ritmo e a harmonia devem se adaptar à palavra, e não a palavra a esses. O descontentamento pela polifonia, influenciado por Mei, levou Galilei a publicar, em 1581, seu “Dialogo della musica Antica e della Moderna” (Diálogo sobre a música Antiga e Moderna). Sua tese significou um ataque à arte do contraponto, que, de acordo com sua concepção, desqualificaria o sentido e conteúdo das palavra, levando a atenção do ouvinte apenas para a massa sonora construída. Para Galilei e Mei, texto e música, no intuito de fazer mover os afetos do ouvinte, deveriam se relacionar de maneira intrínseca, em prol da expressividade. Galilei escreve:

Quanto ao modo de exprimir os conceitos da alma e de os imprimir com maior eficácia possível na mente dos ouvintes,... [...] jamais se pensa ou se pensou após o surgimento do contraponto, mas apenas em se lacerar a música no mesmo instante em que a possibilidade se apresente. E que seja verdadeiro que hoje nada se pense sobre como exprimir os conceitos das palavras com o afeto que estes reclamem, senão de uma forma ridícula, como mais à frente será referido, manifesta-o claramente suas observações e regras: estas não convencem a nada além do que ao modo de modular os intervalos musicais. (GALILEI apud CHASIN, “O Canto dos Afetos”, 2004, p.64).

Como personagem da tese de Galilei, “Bardi” afirma que a intenção dos contrapontistas flamengos era, em música, construir um simples som para os instrumentos de sopro e corda, e não a de servir musicalmente ao sentimento expresso da palavra. Para esse fim, portanto, caberia a arte do contraponto apenas a função de apresentar o engenho do compositor e demonstrar o virtuosismo do executante; sendo contrária desta a arte de fazer mover as paixões da alma nos ouvintes, que se faz pela expressividade musical da palavra. De acordo com William Lovelock (autor de “História Concisa da Música”, 2001, p.110),

A base do ataque era que o estilo contrapontístico obscurecia a poesia, o que reconhecidamente acontecia, uma vez que, a maior parte do tempo, cada uma das vozes estariam cantando letras diferentes. Portanto, o contraponto era anátema, e a música, até então o fator predominante, tinha que ser tratada como subsidiária da poesia.

O escritor Lauro Machado Coelho publicou sua opinião sobre o “Diálogo” de Galilei, em seu livro “A Ópera Barroca Italiana” (2000, p.42):

Galilei tinha razão em dizer que a escrita polifônica, em que as vozes se superpõem, às vezes em camadas muito numerosas, dificulta o entendimento; mas não em pretender que ela seja incapaz de mobilizar as nossas emoções – o mais simples dos madrigais de Monteverdi é um desmentido formal a essa tese.

O tratado de Galilei foi responsável por acarretar vários debates sobre o assunto entre os integrantes da Camerata, a saber, Caccini, Peri, Rinuccini, Marco da Gagliano e Emílio Cavalieri. Todas as reuniões e os temas discutidos em debates foram expostos por Angelo Solerti em “Le Origini del Melodramma”. De acordo com o levantamento das reuniões, os músicos pretendiam restaurar o que pensavam ser a música do teatro grego. Para isso, formularam alguns princípios sobre qual seria o papel da música no teatro da Antiguidade, citados por Coelho (2000, p.43):

(1) Deveria haver a união perfeita entre o texto e a música. Para isso, propunham-se a declamação solista e monódica;
(2) O texto deveria ser declamado aderindo às inflexões da fala. A melodia deveria, portanto, acomodar-se à frase, e não o contrário. Isso excluía os ritmos de dança frequentemente impostos às canções e também as repetições, que eram comuns nos madrigais e nos motetos.
(3) A música não deveria limitar-se a acompanhar graficamente o andamento do texto e, sim, tentar exprimir o estado de espírito de cada trecho, imitando e acentuando as entonações típicas de uma pessoa que esteja sob o efeito de determinada emoção.

Muitos foram os efeitos dos estudos e das reuniões da Camerata. Da tentativa de criarem composições de acordo com os princípios propostos pelo grupo, e espelhados no que pensavam ser a música grega, Caccini apresentou em 1602 uma coletânea de árias e madrigais para voz solista acompanhada de um baixo-contínuo. Seu tratado foi chamado de “Le Nuove Musiche” (As Novas Músicas). A escrita inaugura o stile recitativo, uma forma de melodia que imita ritmicamente o pulso e as inflexões da fala. Provavelmente no ano de 1597, Peri foi o primeiro a apresentar suas idéias em música, ao compor a primeira ópera que se têm notícia, chamada “Dafne”; e a segunda, chamada “Euridice”, três anos depois (1600). No prefácio de “Dafne”, Peri explica suas intenções neste trabalho:

Eu tinha querido imitar a fala em minha música [...], pois me parecia que os antigos gregos e romanos tinham usado, em seu teatro, um tipo de música que, embora ultrapassando os sons da conversação ordinária, não chegava a atingir a melodia do canto, ou seja, assumia uma forma intermediária entre um e outro. Portanto, abandonando todos os estilos de escrita vocal até então conhecidos, procurei criar o tipo de melodia imitativa da fala exigida por esse poema. [...] usei o baixo contínuo fazendo com que ele se movesse ora mais depressa, ora mais devagar, de acordo com as emoções que tivessem de expressar.

Desde que Girolamo Mei, em correspondência à Galilei, havia exposto que a música dos gregos era a própria expressão dos afetos humanos, todo o pensamento dos integrantes da Camerata se voltou para o objetivo confesso de defesa à monodia como única forma de comover e sensibilizar a alma do ouvinte. A partir daí, um novo capítulo da história da música passa a ser desenvolvido: O Barroco. Compositores como Caccini e Jacopo Peri impulsionaram esta nova arte de cantar, essa nova estética. Dentro deste panorama, podemos destacar também, e especialmente, o compositor Claudio Monteverdi, que, em aderência as muitas idéias propostas pela Camerata Florentina, inovou a linguagem dos madrigais e levou a ópera ao patamar de grande expressividade criativa. Além disso, Monteverdi evidenciou a segunda prática que se propunha então, a pratica de um novo discurso composicional: a música se voltava para a expressão dos afetos, e somente com esse intuito maior a música poderia se valer, se fazer eloquente, persuasiva, emocionar, tocar a alma.

domingo, 29 de novembro de 2009

Claudio Monteverdi e o despertar da "Seconda Prattica"

Após ter finalizado - graças à Deus e com sucesso - a minha monografia sobre Caccini e Monteverdi, gostaria muito de deixar aqui algumas palavras remetentes à esse fantástico compositor que foi Claudio Monteverdi.


Monteverdi nasceu em Cremona (Itália), em 1567. Em vida, publicou 8 livros de Madrigais, levando este mesmo gênero ao máximo desenvolvimento, ao patamar de grande expressividade e dramaticidade.


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Claudio Giovanni Antonio Monteverdi (1567-1643), também violinista, maestro e cantor, foi um dos grandes ícones do cenário estético-musical de seu tempo, tomando a arte musical como essência de sua vida. Seus trabalhos se tornaram inovadores, fundamentais na linguagem musical, marcos para a história da música.


Em acordo com os movimentos culturais de seu tempo, Monteverdi cunha sua arte na esfera dos sentimentos, da vida afetiva concreta, levando-a ao patamar de grande expressividade criativa. Tal como os humanistas, Monteverdi absorve dos filósofos gregos a idéia de que a relação entre alma e música medía-se pelo conceito de imitação. “No mundo artístico encontramos o termo Imitação, ou seja, a arte imitando coisas do mundo como são apresentadas a nós.” (PERSONE, 1991, p.23). Assim sendo, tomando de Pitágoras e Aristóteles esta concepção, Monteverdi considera a música não como mera representação dos sentimentos mas como a própria manifestação das paixões da alma. Desse modo, o compositor escolhe, para musicar, poesias como as de Rinuccini, Guarini e Petrarca, que revelavam em seus conteúdos a realidade humana: a exteriorização dos sentimentos e emoções do Homem. Por meio da intrínseca relação entre texto e música, que também se reafirma por meio do estilo recitativo (que faz com que o personagem do texto se torne um declamador), Monteverdi evidencia o humano: seu canto está a favor da expressão, do afeto, da dramaticidade. O recitativo permite à melodia imitar ritmicamente o dizer cotidiano, meio pelo qual o homem geralmente exterioriza seus pensamentos e emoções. O movimento melódico, vertical, acometeria assim a modulação de afetos, por imitar a modulação/entonação da voz.

Bom, não quero aqui aprofundar a escrita sobre o discurso de Monteverdi, mas sim destacar e exclarecer o novo momento musical que surgia naquela época, que deu início ao Barroco Musical: a "Seconda Prattica".



Muitas vezes, e principalmente a partir do seu Quarto Livro de Madrigais, escrito no ano de 1603, os madrigais de Monteverdi foram alvo de críticas, feitas por indivíduos que não compreendiam suas intenções composicionais e a expressão que atingia em suas obras. O teórico Giovanni Maria Artusi, cônego bolonhês, em sua obra L’Artusi, overo Delle imperfettioni della moderna musica (“O Artusi” ou “As imperfeições da música moderna”) toma como “imperfeição”, dentre outros exemplos, os madrigais de Monteverdi. As críticas de Artusi remetem-se, por exemplo, e essencialmente, às dissonâncias utilizadas pelo artista neste livro. Está claro que Artusi desqualifica a música de Monteverdi sob a ótica da prática musical tradicional - prática como a já pregada por teóricos como Zarlino. Para o cônego, as dissonâncias agrediam as regras pregadas pela arte do contraponto. Nesse sentido, na consideração de Chasin ("Música Serva D'Alma", 2009, p.121), Artusi acaba por condenar a intensidade de um canto, pois o discurso composicional de Monteverdi, orientado pela doutrina da mímesis aristotélica, se volta para a expressão da palavra e de seu sentido. Como forma de se defender das críticas de Artusi, e em resposta ao mesmo, Monteverdi escreve as seguintes palavras no prefácio de seu Quinto Livro de Madrigais, publicado em 1605:

“escrevi uma resposta para que saiba que não faço as coisas ao acaso, e, assim que estiver revista, virá a lume, trazendo no frontispício o título Seconda pratica overo Perfettione della moderna musica [Segunda Prática ou Perfeição da Música Moderna]. Alguns acharão isso estranho, não acreditando que exista outra prática além da ensinada por Zarlino. Mas a esse posso garantir, quanto às consonâncias e dissonâncias, que há uma forma de as considerar diferente dessa já determinada, que defende a moderna maneira de compor com o assentimento da razão e dos sentidos.”

O artista cremonense utiliza-se da locução “Seconda Prattica” para distinguir seus usos composicionais daqueles convencionados anteriormente, identificados como a Prima Prattica, que era esteada nas regras tradicionais do contraponto e que, na busca de uma complexa textura polifônica, obscurecia as intenções expressivas do texto. A expressão dos sentimentos que emanam das palavras tornava-se, então, o alicerce do novo discurso. Por esta ótica, a música de Monteverdi atende primeiramente ao sentimento, à expressão, exaltando algum afeto que a palavra traz, e aí se valerá de recursos como os cromatismos, as modulações, os ornamentos e as dissonâncias, segundo cada caso.

Assim, a Seconda Prattica reitera as práticas do Renascimento tardio, professados também pela Camerata Fiorentina, o que acabou por se constituir numa realmente nova estética na história da música ocidental. Estabeleceu-se, então, um novo conceito, o de uma monodia acompanhada, e também o de uma polifonia harmônica, rebuscada de dissonâncias, formulando uma relação íntima entre canto e poesia, ou música e texto, em função do signo dos afetos.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

A música vocal Barroca e a filosofia dos Antigos

O discurso composicional que inaugura o período Barroco da música, por volta do ano de 1600 (mais precisamente na Itália) possui influência de manuscritos gregos recém decobertos na Europa no decorrer do século XVI. Os humanistas, estudiosos da arte grega, potencializaram o próprio movimento através do pensamento dos antigos, que muitas vezes se antagonizava ao pensamento imposto pela instituição Católica de seu tempo. Eles foram os responsáveis pela disseminação dessa filosofia, cuja idéia residia no valor da figura humana para o universo.

De acordo com a Doutrina do Etos (na perspectiva musical, espressa a ordenação, diferenciação e o equilibrio dos componentes ritmicos, melódicos e poéticos; tal sincronia permitiria à música uma considerável influência sobre o caráter do indivíduo), Platão, ao defender a música com função de educar, já dizia: "o ritmo e a harmonia penetram mais fundo na alma e afetam-na mais fortemente" (A República). Platão acreditava que a música influenciava o caráter do ser humano, e que movimentos ritmicos e melódicos específicos afetavam o individuo distintamente. Partindo desse pensamento, Platão defendeu algum modos musicais e eliminou outros para a formação de um homem que pudesse servir ao Estado.

Posteriormente, o filósofo Aristóteles, discípulo mais importante de Platão, buscou estudar os efeitos que a música causava no caráter e na conduta do ser humano com uma abordagem mais científica. Ele procurou explicar esses efeitos no que chamou de Doutrina da Imitação. Tal doutrina consistia na idéia de que a música imita [representa] as paixões ou estados da alma, a saber: a ira, a coragem, a temperança, entre outras. Com isso, apresentaram uma certa confirmação de pensamento que a música era realmente capaz de manipular o homem.

Voltando para a Renascença, ou mais precisamente para o período pré-barroco, nota-se que muitas foram as criticas negativas à polifonia vocal, composta com o intuito de apresentar o virtuosismo do instrumentista/cantor e a capacidade de construção musical do compositor. De acordo com a opinião de muitos intelectuais deste período, como filósofos, artistas e ouvintes, influenciados pelo pensamento dos antigos, a música deveria expressar sentimentos; e o que parecia acontecer era exatamente o contrário: o contraponto excessivo (principalmente nas músicas policorais) impediam a compreensão do texto, e da mensagem emotiva. A música daquele tempo parecia servir mais à inteligência do que à emoção.

Diante de toda essa questão, surge no ano de 1570, dentre várias academias de literatos surgida na Itália, a Camerata Florentina. A Camerata, constituída por músicos, poetas e filosofos, representou a reunião de estudiosos da cultura grega contra a arte do contraponto. Tais integrantes pretendiam restaurar o pensamento grego através de suas futuras composições. A partir dos pensamentos antigos sobre música, a seguir, os camerísticos tentaram em música restaurar o antigo método grego de declamação, em função de valorizar o texto:

"a harmonia e o ritmo devem se adaptar às palavras, e não as palavras à esses" (PLATÃO, A República)

"o estilo falado admite melhor a elocução dramática" (Aristóteles, Arte Retórica)

"a linguagem será apropriada se expressar emoção e personalidade, e se ela corresponder ao assunto" (Aristóteles, Arte Poética)

A Camerata surgiu com um pensamento novo, baseado no que conhecemos atualmente como a Doutrina [ou Teoria] dos Afetos. Esta doutrina consiste na idéia de que a música move os afetos do ouvinte, "segundo um conjunto de regras que relacionavam determinados recursos musicais (ritmos, motivos, intervalos, etc.) à estados emocionais específicos."(Dicionário Grove de Música). Em 1602, Giulio Caccini, músico e integrante da Camerata, publica sua coletânea de arias e madrigais monódicos (música para apenas uma voz, acompanhada do baixo continuo), chamada "Le Nuove Musiche" (As Novas Músicas). Caccini pretendia com a monodia valorizar a palavra. A música serviria apenas como contribuinte da expressividade do texto, tendo a primeira uma importância secundária. A melodia apresentava-se de forma declamativa, mais próxima da fala, para dar enfase dramática à performance [e a persuasão] do cantor. O mesmo tinha a função de [co]mover o ouvinte.

O "Le Nuove Musiche" de Caccini foi apenas marco do início de um período que viria a seguir, caracterizado por uma música mais dramática, com a criação da Ópera. "L´ORPHEO" de Claudio Monteverdi significou a porta de entrada para o Barroco. E por aí, o pensamento dos antigos gregos é ainda mais ressaltada.

terça-feira, 20 de maio de 2008

Medo de Palco: Timidez e Ansiedade Social

"Estar num nível “acima” das pessoas não me é confortável. É como se, pelo simples fato de vc estar num palco, tivesse que ser melhor do que vc é."

"Não tenho tanto medo quando estou com o grupo, mas sozinha é um caos total!"

"A única vez que cantei em público, pra umas 400 pessoas mais ou menos, não parava de tremer."

"Dançar em palco é legal, mas acho que a exposição é bem maior, pois você realmente “se coloca” no palco, se mostra, e tenho a impressão de que as pessoas veem o que você é."

"...os 30 primeiros segundos são os mais tenebrosos; a boca seca e fica tremendo, as pernas não respondem muito bem, aquele pãnico inicial… mas depois isso passa nao é mesmo?"

"...qual é a letra agora, onde estou!"

O medo de palco ainda é uma questão muito discutida e bastate preocupante para a grande maioria dos músicos, oradores, atores e todas as pessoas que um dia, no mínimo, colocam os pés num palco.
Em entrevista à revista Harper´s Bazaar, Bono Vox surpreendeu ao admitir que morre de medo de subir no palco. Segundo o líder da banda irlandesa U2, o nervosismo é tanto que toda vez que vai fazer um show, sente-se nervoso e indisposto, e chega a acordar “doente”. Depois de mais de 25 anos de carreira, o cantor ainda se sente muito inseguro e durante muitas apresentações, chega a temer que o público esteja odiando sua performance.
O medo de se expor, de errar a letra, esquecer o texto, se dispersar por entre o nervosismo, a tremedeira e a dispersão por entre milhões de pessoas olhando para você, podem acarretar num transtorno da ansiedade social. O Transtorno da Ansiedade Social, também conhecido como Fobia Social e Transtorno da Fobia Social, é uma desordem mental que se expressa através de sintomas (e sinais) de crises de ansiedade em contatos sociais e situações de desempenho. Pensar, pensar, pensar e pensar... às vezes seja este o grande problema. Julgar-se alvo de avaliação pelos outros, temer o julgamento, tentar controlar cada atitude diante das pessoas: isso em excesso pode travá-lo, tensionando toda a musculatura. Ocorrendo isto, a memória e a concentração passam a ficar em segundo plano, e o medo de palco passa a se tornar uma realidade, pela ansiedade não controlada.
As manifestações de Medo de Falar em Público, Medo do Palco, e Ansiedade de Desempenho podem ser classificadas como Timidez e como Ansiedade Social – a diferença de uma para outra vai depender da intensidade e duração dos sintomas das crises de ansiedade, assim como na repercussão sobre a vida da pessoa.
Suponhamos que um ator está ansioso para subir no palco. Seu corpo começa a tremer, ele não consegue se controlar, anda de um lado para o outro e acaba tendo uma diarréia. Mas depois, ao subir no palco, aos poucos a ansiedade desaparece. Esse caso está mais próximo de ser uma Timidez do que uma Ansiedade Social. Mas caso esse ator abandonasse a carreira por medo de subir ao palco, este pode ser muito prvavelmente o caso de Ansiedade Social.

Acredito que ao subir no palco precisamos fazer com que essa ansiedade esteja em nosso favor, aquela saudável ansiedade de querer fazer bem feito. Mas é preciso confiança, e fé. Claro que exercícios respiratórios para controlar o nervosismo ajudam, e muito. Concentração e consciência de que o homem é errante são necessários para um bom desempenho. Não há segredo: além de tudo isso, muito estudo prévio, muita dedicação; determinação, humildade e seriedade.

Gabriel Muzzi



Referências:

http://www.timidez-ansiedade.com/art/fobia-soc/sintomas-crises-ansiedade.htm
http://yallah.wordpress.com/2008/01/23/o-palco/feed/

sábado, 17 de maio de 2008

Am See - Lied de Franz Peter Schubert

No jogo em mudança no lago,
O sol se põe e surgem as estrelas
Ah, são tantas, tantas!
Elas espalham seu brilho, incessantemente.

Quando no lago passa a humanidade,
O jogo em mudança passa a ser na alma.
Caem dos portões do céu as estrelas
Ah, e são tantas, tantas!

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Schubert é um compositor que marcou profundamente o período Romântico na história da música ocidental. Com seus lieder ("canções"), que são mais de 600, ele expressa os sentimentos mais contidos pelo homem até então. Schubert compos este lied sobre a letra do poeta Franz Seraph Ritter von Bruchmann (1798-1867), e melodica e harmonicamente, Schubert foi fiel à sua interpretação do sentimento contido nos versos.
No primeiro momento, enquanto o sol e as estrelas se refletiam no lago, tudo parecia estar bem. A natureza estava em harmonia. e melodicamente isto também ocorria.
Já na segunda parte da canção, Schubert nos causa espectativa, ansiedade e um certo sentimento de tristeza que nos vai corroendo aos poucos ao ser retratada a humanidade refletida no lago e escondendo as estrelas. Veja como é interessante a comparação entre a natureza e a humanidade: as estrelas são puras, refletem uma luz constante; enquanto o homem, este possui a alma, que é impura, inconstante, pois a humanidade é errante. e a ultima sendo refletida no lago, a pureza se desmancha. Maravilha de canção, maravilha de texto! Am See ( "No Lago"). Ouçam! Esta é minha interpretação, portanto livre.

Blog à Música

A Música
é meu complemento;
através dela me comunico com Deus;
e através dela nasce minha força e sensibilidade para com a vida;
através dela aprendo o mundo sem precisar sair de mim;
por ela vivo e existo pra mim mesmo;
sem ela sou só corpo prendendo a alma;
com ela, sou a minha própria alma a flutuar, levando meu corpo.
a música é minha herança para meus pias, filhos, netos e amigos
meu bem mais precioso e livre.

à esta arte, dedico este espaço.

Gabriel Muzzi


Tu, preciosa arte, em quantas horas sombrias,
quando cerrado pelo círculo pesado da vida,
acendeu em meu coração um cálido amor
e me conduziu a um mundo melhor!

Um suspiro vindo de tua harpa,
num doce e celestial acorde,
abriu novos céus para mim,
Eu te agradeço por isso, preciosa arte!

("An Die Musik", Franz Peter Schubert)

Menu Bibliográfico - Recomendações

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